Pare de Incentivar o “Teatro da Produtividade” no Trabalho

Algumas variáveis de nosso ecossistema de suporte técnico se combinaram para criar um monstrinho danado que produz resultados irritantes e demoníacos.

É antiga a ideia de obrigar os técnicos de suporte a registrarem cada hora trabalhada (aliás, há 40 anos atrás já era assim).

Escrevi sobre no artigo Sua empresa é roubada toda semana.

Mas agora a) o ambiente híbrido e b) a vontade de criar estímulos adicionais em prol de mais produtividade se combinaram e produziram uma poção mágica — ou um feitiço de bruxa má — dos horrendos.

Vamos à contextualização

Os centros de suporte técnico estão buscando cada vez mais aumentar — e medir — a produtividade de seus colaboradores. Quanto mais produtivo, menos gente precisa e mais trabalho pode ser angariado.

Logo, acredita-se, uma maior geração de valor — seja lá o que isso for — poderá ser produzida.

 

Melina Moleskis escreveu um artigo no The Decision Lab que tomo a liberdade de pseudo-traduzir. Insiro meus comentários ordinários para dar um tom brasileiro e próprio de nosso ambiente de suporte (mas não só dele).

Ela começa citando os incentivos criados para aumentar a produtividade.

E apresenta um caso clássico do que é o efeito rebote: o Efeito Cobra.

Caso da cobra

Em algum momento durante o Raj britânico (nome pelo qual o domínio britânico na Índia era referido), a população de cobras em Nova Delhi fugiu do controle.

O governo, preocupado com o perigo representado pelas cobras venenosas,  ofereceu uma recompensa por peles de cobra. Pensou que, ao oferecer uma recompensa por cobras mortas, o público resolveria o problema da infestação de cobras.

A princípio, a nova política funcionou bem. Um grande número de cobras foi caçado e morto pela recompensa.

Mas a recompensa também criou uma oportunidade de lucro entre algumas pessoas empreendedoras, que começaram a criar cobras para que houvesse mais cobras para matar.

Eis que os verdadeiros problemas surgiram. Quando o governo percebeu a situação, o programa foi cancelado. Sem recompensas para coletar, os criadores de cobras simplesmente libertaram suas cobras, tornando a infestação pior do que antes.

A história da cobra é um relato de incentivos perversos: incentivos que involuntariamente recompensam comportamentos indesejáveis. É também o nome do chamado “efeito cobra”, batizado por Horst Siebert, que descreve casos em que as pessoas são incentivadas a se comportar de uma maneira que piora o problema em questão.

Implicações

Como demonstra a história da cobra, implementar políticas sem entender suas implicações, nem monitorar seu progresso pode ser desastroso. Mostra que medir os resultados errados (neste caso, o número de cobras mortas que uma pessoa poderia produzir) ou negligenciar os riscos potenciais (o aparecimento de criadores empreendedores) pode fazer o tiro sair pela culatra.

No artigo há o registro de várias outras situações de incentivos perversos, como é chamado na Economia Comportamental.

  • Um banco quis bonificar seus vendedores que conquistassem mais aberturas de contas correntes: vários deles abriram contas falsas em nome de clientes para alcançarem os prêmios.
  • Uma creche israelense resolveu multar pais que chegavam atrasados para buscar seus filhos: os pais adoraram a ideia, pois agora não se sentiam mais culpados e a quantidade de atrasos aumentou, bastando pagar o valor da multa.

Quer mais?

E o que dizer dos centros de suporte que tentam bonificar a redução do Tempo Médio de Atendimento (significa que a fila de espera por atendimento será reduzida) e produzem outros problemas, como um aumento na Reabertura de Chamados, pois os técnicos estão “dando curvas” nos usuários.

Ah, a quantidade de horas!

Na revolução industrial a produção/produtividade de um funcionário era fácil de medir, pois dependia apenas da quantidade de peças fabricadas ou montadas.

Fez mais na mesma quantidade de tempo, aumentou a produtividade!

Mas…

Na Era do Conhecimento (expressão by Peter Drucker), a situação muda.

Talvez no Nível 1 de Atendimento isso ainda persista, algo do tipo resolve mais, ganha mais… Estímulo deveras simplório e que invoca o reaparecimento dos Incentivos Perversos, mas…

Uma forma mais “esperta” que os gestores encontraram foi “controlar a quantidade de horas”.

Em especial nos ambientes híbridos.

Sei lá o que esse sujeito faz em casa, então vou… Vou… Vou medir a quantidade de horas de reunião que ele trabalha. Vou medir o tempo conectado na VPN da empresa e fazendo algo no computador e…

Huahuahua (risada das antigas, coisas de velho dos tempos do Mirc, ICQ etc.).

Surgiu o solucionador de problemas: o mouse jiggler.

Um mouse jiggler é um software utilizado para simular o movimento de um mouse de computador. Também pode ser um dispositivo mecânico movendo o mouse físico do computador.

Em ambos os casos, a ideia original era impedir a ativação do modo de hibernação ou do protetor de tela.

Sensacional. Muito útil.

O sujeito vai pro sofá assistir sua série preferida e o mouse está lá, simulando trabalho no computador (pronto, revelei o segredo pra quem é medido assim e não sabia desse artifício).

E o gerentão pagando o sujeito por se arrebentar 12 horas por dia!

Uauuu! Viva o mouse jiggler!

Resolvendo a questão

Antes de mais nada, cada empresa é uma empresa (sábio comentário, Cohen!).

Quero dizer que não adianta ir num evento, descobrir que algo está funcionando para um colega e tentar replicar direto no seu ambiente. É preciso refletir a respeito.

Mais ainda, segundo a Melina:

Fazer brainstorming e obter feedback de pessoas de diferentes departamentos e funções é importante para evitar o viés de confirmação.

Viés de confirmação: o sujeito achar que tem a solução e buscar artigos que confirmem sua opinião, desprezando os outros artigos que o contradizem — algo que meu guru adora fazer.

Mas convém saber que o próprio processo de brainstorming está sujeito a armadilhas comportamentais, como:

  • Pensamento de grupo (fenômeno psicológico no qual as pessoas se esforçam para manter a coesão e chegar a um consenso dentro de um grupo — vejo isso direto ao final dos meus cursos quando pergunto o que pode melhorar).
  • Medo de julgamento (estou estagiário aqui, não vou me queimar dando uma ideia que pode ser considerada besta, apesar de ser a solução para os problemas).
  • Transferência de responsabilidade para os outros (eu fora, não sou gerente, isso é problema dele).

Sugestões:

Os “designers” (que elegância!) de incentivos precisam distinguir entre:

  • resultados desejados (metas)
  • saídas (ações realizadas para promover uma meta)
  • entradas (recursos usados para gerar ações para alcançar uma meta)

Por sua vez, eles também precisam medir e atribuir o peso adequado a cada um deles. Esforço (input) importa, mas se o sistema favorece esforço sobre resultados, com o tempo, ninguém será responsabilizado pelos resultados que importam.

Incentivos simples podem funcionar melhor do que os complicados, que tendem a dar origem a brechas (sim, aquelas fórmulas malucas em Excel cheia de variáveis para ver quanto pagar ao sujeito no final do mês).

Da mesma forma, a subtração (remoção de um elemento do processo de trabalho que incentiva os funcionários a se comportarem de maneira indesejável) pode funcionar melhor do que a adição (adicionar um novo incentivo ao processo existente).

Tá, olhar como os outros fizeram pode ser útil. Mas teste a ideia num ambiente restrito para saber se funcionará ou não, antes de passar para a implementação em grande escala.

Lembrete

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Forte abraço

El Co

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