Morte às divisórias é uma falácia romântica

Escritórios que derrubam as divisórias e criam grandes espaços abertos prejudicam o desempenho dos funcionários

Quando a moda pega, ninguém segura.

Vale pra dieta, pro pau-de-selfie, pra Copa do Mundo no Brasil (que traria legados maravilhosos para o paí­s e o que se viu foi bem diferente, ler artigo de Ricardo Mansur intitulado 2015 – o ano pós copa) e também no ambiente corporativo, para as ondas de estilo de administrar e agora (?) para o fim das divisórias.

moda

Imbuí­do de artigos e literatura high tech, de tendências e de certa ingenuidade, existe um movimento para o fim da fronteira mais clássica do “antigo administrar”: as divisórias. Na verdade, o debate é atrasado, pois os “open offices” já foram instalados há mais de 20 anos…

O objetivo da queda dos “muros” internos é proporcionar um amplo espaço comum em que as pessoas possam se comunicar livremente e ter apenas um “locker” ou um gaveteiro, como citou uma funcionária da Semco – empreendimento de Ricardo Semler, o sujeito que quebrou as regras administrativas das mais variadas formas, entre elas deixando os funcionários escolherem seus chefes – ao meu lado no avião.

Além disso, ambientes abertos proporcionam economia de dinheiro (nada de despesas com paredes de gesso e outros acessórios); produzem flexibilidade de remanejo arquitetônico, cabeamento, etc.  e geram um ambiente colaborativo maior.

Os mais exaltados vociferam que as divisórias são sí­mbolos de poder, onde cada profissional é dono de seu cantinho. E detonam a ideia de que elas ajudariam a não perder o foco das tarefas, anotando que isso seria apenas um subterfúgio da manutenção de um antigo estilo hierárquico de administrar.

Não sei como trabalhar enfiado dentro de uma “baia” possa simbolizar poder, mas que ajuda a se concentrar melhor, isso ajuda.

Tempos atrás visitei uma empresa de software e os gestores reclamavam muito desse estilo “sem divisórias e paredes”. Ao aceitarem o projeto de seu ambiente “open”, esqueceram que as pessoas são diferentes em comportamento: umas mostram-se introvertidas e sérias, outras extrovertidas e tagarelas. E justamente essas últimas bagunçavam o coreto, causando distração a todos os demais. E claro, não existe apenas uma pessoa na empresa com esse perfil.

Ironicamente, o ambiente aberto foi planejado para estimular a troca de ideias, a livre comunicação, etc. provou ser uma verdadeira desgraça da qual os próprios técnicos reclamavam.

Chamar a atenção dos “bagunceiros”? Contratar somente funcionários mudos? Ou surdos?

Fala sério…

Quando eu trabalhava na EDISA/HP (há muito, muito tempo atrás), o ambiente era exatamente como esse e tí­nhamos um gerente de vendas chamado Brancher. Ele era dotado de um vozeirão impressionante. Uma caracterí­stica pessoal da fera. De um super hiper competente gestor. Pedir para falar mais baixo? Impossí­vel, seria como dizer para um passarinho não voar ou um peixe nadar fora d’água.

O colunista Jorge Horácio Audy foi muito eloquente ao escrever o estupendo texto – Morte as divisórias, baias e gaveteiros – defendendo a derrubada dos “muros” existentes nas empresas.

Mas quero fazer um contraponto e apresentar outra versão dos fatos. O copo meio cheio ou meio vazio, como quiserem.

Fotos

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Você vê divisórias acima? Eu sim. Sabe onde é? Google Mountain View.

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Foto acima? Salesforce, o CRM mais popular do mundo.

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Opa, Oracle.

Ah, mas todas as divisórias são baixinhas!

Ora, não me venha com essa. Elas realmente impedem o trânsito e produzem um minifeudo para cada qual espalhar seus cacarecos sobre a mesa. E veja, todas elas são em empresas de tecnologia, “modernas” em relação ao conceito que temos de indústrias e outros tipos de negócios nem tão preocupados com seus funcionários.

Dos artigos que atestam meu raciocí­nio

Não vou escrever um texto romântico baseado em coisas que seriam o paí­s das maravilhas. Ele não existe. E se existe, é um percentual ridí­culo de empresas ao redor do mundo. O resto batalha para diminuir custos e enxugar despesas. Sim, tem que valorizar o ser humano que trabalha lá dentro, mas muito mais o cliente na ponta que deseja um preço competitivo. Nas empresas não há espaço por que o custo da sala é caro.

Nessas horas o ambiente aberto é conveniente, mas não por que promova todas aquelas coisas que associamos à Geração Y, Z, Millenium, etc. São projeções que fazemos sobre a gurizada.

Recordo de um ex-funcionário da minha software-house. Seu nome era Daniel. Ele foi embora por que a empresa não permitia que ele se concentrasse ao fazer o código de aplicativos. O ambiente era informal demais. Todos caí­mos de pau nele, depois que foi embora (Sorry, Daniel, é uma faceta humana difí­cil de modificar).

Infelizmente, ele tinha razão. Nossa produtividade poderia ser muito maior com mais formalidade, menos interrupções, músicas barulhentas e assim por diante. E seu comentário permanece indelével na minha memória há anos.

Há na internet um sem fim de artigos que explicam os problemas oriundos dos escritórios abertos.

pesquisa cientificaE vários deles embasados em pesquisas cientí­ficas, não em “achismos”. Montaigne e recentemente Taleb nos ensinam a sermos céticos (Houaiss: doutrina segundo a qual o espí­rito humano não pode atingir nenhuma certeza a respeito da verdade, o que resulta em um procedimento intelectual de dúvida permanente e na abdicação, por inata incapacidade, de uma compreensão metafí­sica, religiosa ou absoluta do real).

Questionar sempre, em especial para ver se a derrubada das divisórias não embrulha um desejo de economia sob um papel de embrulho bonito como uma visão platônica de “todos juntos numa mesma sala debatendo ideias para melhorar o mundo”.

No site Big Think, Orion Jones faz um resumo no Open-Office Plans Distract, Demotivate, and Spread Illness sobre tais questões. Em ordem cronológica aponta as pesquisas feitas desde o ano 2000 que demonstram o estabelecimento de intenso barulho em ambientes abertos e como isso prejudica as atividades funcionais básicas aritméticas e de memória. Outra pesquisa aponta o surgimento de desmotivação quando cada um não pode mais regular, por exemplo, o ar condicionado ou a iluminação por conta própria. Outra mostra que em ambientes abertos o sujeito controla menos as interrupções e como isso prejudica sensivelmente o seu ní­vel de concentração.

Maria Konnikova, autora do livro Perspicácia – Aprenda a Pensar Como Sherlock Holmes, escreveu no The New Yorker um artigo intitulado The Open-Office Trap que expande os escritos de Orion Jones. Um sujeito multitarefa (apesar disso não existir, segundo o neurologista John Medina em Brain Rules, veja o ví­deo a seguir) demora mais para recuperar a linha de raciocí­nio quando subitamente (ou não) interrompido por um colega.

A equipe de staff da revista Fast Company realizou uma consulta aos seus leitores e estes elencaram alguns dos problemas em ambientes abertos:

  1. É barulhento. É um ruí­do constante e perturbador. A gente ouve pessoas digitando, espirrando, tossindo, comendo, ligando, xingando e tudo o mais. E isso significa muita dificuldade para se concentrar. E as distrações são aborrecedoras.
  2. interrupcaoSeus colegas não param de interrompê-lo. Mesmo que as divisórias sejam baixas e se use fones de ouvidos, o sujeito da frente ainda pode acenar pra chamar a atenção. E isso é feito com muita frequência durante o dia, em especial sobre coisas que não tenho interesse algum ou quero evitar. Qualquer um que precise ir até a copa, atravessa pelo nosso local de trabalho e lá se vão mais alguns minutos. Sou obrigado a dizer “bom dia”, “boa tarde” e essas formalidades todas para cada um que passa e não consigo sequer uma hora seguida de trabalho ininterrupto. Tem o chato que aparece e diz: “- Preciso te mostrar um ví­deo novo no Youtube sobre…”.
  3. Não há privacidade. Um telefonema pessoal precisa ser atendido nas escadas. Comer um lanche ou até almoçar na sua mesa (e isso às vezes é preciso) é difí­cil, pois vem alguém e lhe faz aquela pergunta que não acaba mais e foi-se o almoço.
  4. Algumas vezes, você simplesmente não quer falar com alguém. Pronto, já será taxado de antissocial, negativo, nada comunicativo e por aí­ vai.
  5. Pessoas estão sempre olhando para o seu monitor. Se quero fazer uma compra on-line enquanto almoço na minha mesa; prato feito para fofocas. Se estou escrevendo um artigo sobre algo interessante, alguém se levanta atrás de mim e exclama: “- Hey, que artigo legal” e puxa assunto.

Vá ler o resto, hehehe. Basta clicar na expressão Fast Company.

Foco e concentração

O mal do mundo moderno não é a quantidade exagerada de informações, mas a incapacidade de lidar com elas e selecionar o que interessa ou não.

distracao celularSe o sujeito está em sua mesa, brotam interrupções do facebook, do twitter, alertas em geral, emails chegando, avisos sonoros dos aplicativos de celulares ou desktop, do skype, do viber, do aplicativo que sinaliza passagens com preços baratos (Melhores Destinos) e assim vai.

Minha esposa, competente psicóloga clí­nica, abomina o uso do facebook nas empresas. Paciente atrás de paciente se queixam de dificuldades de concentração e correspondente baixa produção.

Se a gente adicionar a tudo isso o ruí­do externo ao prédio (caminhões em manobra dentro do pátio da empresa), de conversas, de interrupções, de “notí­cias importantes”, etc. e tal, veremos que o trabalhador do conhecimento — como Peter Drucker gostava de nos carimbar — sofre para encontrar perí­odos longos de tempo para suas reflexões e inferências.

Agora reúna tudo isso num ambiente aberto…

Só adotando uma evasiva e usar headphones. Não para ouvir música, mas para dar uma de desligado e não ser interrompido. E batalhar algum… Silêncio.

Sim, as divisórias diminuem as interações humanas, etc. e tal.

Mas o preço a se pagar por removê-las me parece superior ao benefí­cio recebido.

Conclusão

Para quem ainda tem espaços abertos muito próximos dos modismos praticados no final do século passado, o melhor é repensar seus valores e buscar entender como extrair o máximo dos talentos que angariou. Mas cuidado, o segredo não está só nos móveis: está em uma mudança sustentável que oferte espaços de produção intelectual, com baixos ní­veis de interrupções para que o trabalhador do conhecimento produza aquilo que se espera dele.

Ambientes de convivência podem ser produzidos como nos restaurantes da antiga empresa Refeições Puras: Hermes Gazzola se deu conta que os refeitórios que instalava nas empresas deveriam ser muito mais do que ambientes de alimentação, mas de compartilhamento, de bons momentos. De incentivo às trocas.

É previsí­vel que muitas pessoas entusiasmadas com o proselitismo de ambientes abertos e o “mundo moderno é diferente, arrojado, aberto e sem feudos”, se incomodem e tratem de negar, transferir, racionalizar ou usar de outras defesas psicológicas para manutenção do open office, mas isso é o inconsciente gerando barreiras e adotando a lei do menor esforço para evitar lidar com temas complicados.

O importante é que esse caminho não tem volta, nem ida. Permitir que as pessoas sintam-se melhor e mais a vontade, em um ambiente no qual terão mais responsabilidades e liberdades, em um método de trabalho que envolve mais engajamento e pró-atividade e também oportunidade de focar no que é preciso, fazendo render a remuneração que a empresa lhe paga. Em suma, estamos deixando de ser operários para finalmente sermos de fato profissionais do conhecimento.

Ai, não consigo. Vinha entremeando frases do Jorge Horácio com as minhas, transformando o sentido das frases, mas nesse parágrafo acima, me prostrei. Não vejo como juntar toda a maravilha apontada sem ter um preço a pagar. Minha imaginação é fértil, adoro ficção cientí­fica, mas nessa seara mostra-se limitada.

Toda moeda tem duas faces, assim como cobertor curto que cobre a cabeça ou os pés (e blá-blá-blá, várias outras citações chulas e lugares-comuns).

Qualquer um que pensar com um pouco mais de calma compreenderá que “focar naquilo que é preciso, fazendo render a remuneração” é fácil de falar e escrever, mas difí­cil de realizar em um ambiente aberto onde as pessoas desovam seus jeitos de ser. O local de trabalho há muito transformou-se num ambiente de conví­vio social onde afloram os mais diversos tipos de personalidades.

A única maneira de regular o comportamento em ambientes abertos é com extrema disciplina. A qual não será autoimposta, mas sim por alguém superior. Você pode até dizer que o grupo se autorregulará, mas a dinâmica de grupos mostra que por trás dessa impressão de “autogestão” sempre haverá um lí­der ditando as regras, mesmo que com voz macia.

E aí­, me parece, volta-se à simbologia das divisórias e sua representação de autoridade e poder. Cai-se na realidade dura da vida corporativa, da competição, da diminuição dos custos e a derrubada das divisórias retorna lá para o mundo etéreo dos sonhos.

Oh yeah, baby.

Beijos a todos,

EL Cohen

PS: Hoje é sexta-feira, mas todo dia é dia de chimarrão aqui no meu paí­s.

Aguardo sua inscrição nos meus cursos de Gestão de Serviços para Help Desk e Service Desk.

mate

4 comentários em “Morte às divisórias é uma falácia romântica”

  1. Grande Cohen,

    muito interessante essa abordagem. Na minha opinião sou a favor das divisórias, já trabalhei em empresas sem divisórias e realmente se o ambiente for grande e com muitas pessoas é extremamente complicado.

    Forte abraço

  2. Salve, Luciano.

    Gracias pelos elogios, não sabe como isso faz bem a um articulista.
    Significa que tem alguém lendo-o, hehehe.

    Abrazon e um baita feriado pra ti, se estivere pelas bandas de Porto Alegre.

    EL CO

  3. Excelentes argumentos, Cohen, como de costume um artigo para ler com gosto, saboreando um mate 🙂

    Tendo a preferir o meio termo: cada colaborador tem a sua baia bem definida, pessoal; e pequenos grupos que trabalham juntos (times de desenvolvimento, equipes atendendo uma mesma conta, etc.) juntos numa ilha onde as divisorias entre as baias sao menores, e as “paredes” isolando do restante sao mais altas – ate’ como forma de diminuir a poluicao sonora.

    Abraco!
    Claudio

  4. Ah…

    Claudio, então você usa divisórias.

    Eu tenho visitado empresas que são um verdadeiro pandemônio, tamanha a circulação de pessoas, de gritos, de poluição sonora – como você disse – e tudo mais.

    A concentração vai pras cucuias e o gestor reclama do profissional que não se concentra, hahaha.

    Abs e gracias pelo tempo.

    EL Co

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