KCS, por que não sou teu fã

Eis um tema polêmico.

Não posso “falar sobre” sem arriscar perder amigos ou levar chicotadas de norte a sul.

Perder amigos porque no Brazil uma empresa vive dessa metodologia; e um ás da matéria, meu amigo Fernando Baldin, é adepto. E ver alguém detratando suas crenças pode produzir mágoas.

Segundo: das lambadas não tenho medo; recordo um artigo meu sobre este tema no passado em que alguém, ao estilo dos agressivos adeptos de Bolsonaro (existem os calmos, claro), esculhambaram-me com impressionante vigor. Nada adiantou, aqui estou.

Mas quando alunos de meu curso de Gestão chegam e perguntam sobre KCS fico pensando: por que restringir minha opinião somente aos sobrinhos e não a expor para toda a comunidade de suporte técnico?

Obviamente, como sempre afirmo, não sou o dono da verdade.

Se o artigo permitir uma reflexão serena (até pode ser emocionada, desde que baseada em fatos e argumentações racionais) fico feliz.

Cabe destacar: na medida em que escrevo este artigo, levanto a curiosidade daqueles que nunca ouviram falar deste termo.

Então, aos meus impiedosos inimigos, antes que se transformem em Drogon e Rhaegal (os dragões de GoT) e cuspam fogo, ponderem que, de certa maneira, ao jogar luzes sobre KCS ajudo a alimentar todo o ecossistema econômico que sobrevive ao redor do mesmo.

Feito este preâmbulo, vamos adiante.

Para quê KCS?

KCS é uma metodologia de gestão do conhecimento bolada por um grupo de empresas norte-americanas da área de tecnologia. Seu objetivo é o mesmo daqueles que buscam administrar uma base de conhecimento:

Aumentar a produtividade dos funcionários e dos clientes.

Se os primeiros conseguirem resolver mais rápido as questões porque tudo está documentado, poderão fazer mais coisas em seu perí­odo de trabalho.

Os segundos, os clientes, ao verem seus atendentes de suporte resolvendo suas dificuldades rapidamente, farão com que o negócio não permaneça parado por questões de tecnologia e, provavelmente, produzirão mais, seja lá isso o que for (vender mais roupas, fabricar mais peças, liberar mais caminhões, atender mais pacientes, etc.).

Exatamente!

A produtividade não está restrita ao âmbito interno do suporte, pelo contrário, é lá na outra ponta – usuário/cliente – que ela obtém importância significativa.

Das experiências positivas de KCS

Meu amigo Giuliano Machado da Mega Sistemas – fabricante de software ERP – tem um relevante case de sucesso com KCS.

Thiago Pandolfo do Sicredi, uma instituição financeira com caracterí­sticas de cooperativismo (e um dos dez maiores bancos do Brazil), é outro.

Experiências positivas!

Então afirmo o KCS é útil. Não o contrário.

Findo minha defesa com a frase acima, passo às minhas restrições…

Só empresas de tecnologia?

Vamos às constatações e inferências.

Primeiro, há muitos alunos de corporações pensando em utilizar a metodologia nos seus centros de suporte.

E para eles quero fazer uma instigação, colocar a pulga atrás da orelha:

Clique aqui para visitar a URL que apresenta os membros atuais do consórcio de empresas que mantém o KCS. Observe o ramo das mesmas. Perceberá que quase 100% são da área de tecnologia.

Você não encontra uma Ford, GM, Boeing, G&E, Walmart, McDonalds, Johnson&Johson, Novartis, Nestlé, Toyota ou corporação similar na lista.

Não mesmo.

Desconheço os motivos, ignoro se a associação é proibida para quem não é da área de tecnologia ou restrição similar. Mas isso faria com que eu colocasse minhas barbas de molho.

Processo reativo?

KCS é um processo reativo (ao menos no “The Solve Loop“).

Só se documenta uma solução se o problema aparece. E quem a registra é o próprio técnico. E os outros, na medida em que percebem uma melhoria a ser feita, ajudam e complementam.

Não quero entrar no âmbito do processo, mas apenas no foco de ser reativo.

Sim, existem exceções segundo o próprio guia do KCS, mas o grande lance dele é não tentar adivinhar o que será o futuro e ir matando os problemas na medida em que acontecem, o que faz pleno sentido.

Exceto se não fizer muito sentido (pirou Cohen?!).

Obviamente eu não sou do tamanho de uma Dell, Autodesk, Oracle, Salesforce, SAP, BMC e outras para questioná-las sobre essa forma de agir.

Mas nem por isso deixo de ver possí­veis incômodos nisso.

E um deles resulta do lançamento de uma nova versão com novidades que causarão dúvidas, questionamentos e dificuldades de uso aos usuários. E quem é da área de suporte sabe que isso acontece frequentemente. Vale pra Banco do Brasil, vale para o app do patinete verde.

Creio que era o presidente da antiga Microsiga (e atual presidente da Totvs) que dizia: “” Sempre que há mudanças, conte com problemas“.

Se a gente não se antecipar a tais situações, o resultado será uma torrente de chamados devastando o teto do centro de suporte. E ferrando a vida e a produtividade das pessoas no outro lado porque não foram informadas dessas mudanças. E internamente também.

Oh sim, Cohen, mas você não sabe tudo, desconhece que o KCS prevê proatividade “Evolve Loop”…

Li. Não é bem assim. Fala sério, bro.

E mais…

Qual o custo para o negócio do cliente em receber um suporte reativo?

Cabelo branco vs. preto

Ou loiro, azul, vermelho. Ou a simples existência de cabelo.

Mais velhos vs. mais jovens. Pegue uma imagem de uma conferência nos Estados Unidos sobre suporte técnico. Muita gente de cabelo branco ou careca.

Veja no Brasil: casos raros.

Meu ilustre guru Ricardo Mansur apresentou um gráfico estarrecedor sobre o surgimento da estagnação da produtividade brasileira no último curso de Gestão de Serviços lá em São Paulo, em abril.

Antes da chegada massiva da computação aos escritórios na década de 1980, tí­nhamos uma produtividade taco-a-taco com os americanos. A partir do uso abundante de tecnologia em ambos os paí­ses, eles – os do Norte – investiram em capacitação dos usuários e passaram a tirar o máximo proveito das vantagens da tecnologia. Aqui…

Aqui valorizou-se muito mais o equipamento do que o colaborador.

Eu pergunto: qual o último treinamento que sua equipe de suporte teve? Ou seu usuário?

Fato é que aos 40 anos o sujeito no Brasil está com as favas contadas seja na empresa que for.

Qual o problema disso? Dispensa-se alguém que conhece mais do que o jovem (nada contra ele), tem mais experiência no trato das pessoas (em geral) e sabe mais do negócio.

E provavelmente, escreve melhor do que o iniciante.

E aqui vem minha inserção desta palestra no artigo:

  • Como pensar que um técnico do Brazil recebendo lí­quidos R$ 900, fazendo faculdade, correndo pra lá e pra cá, vivendo conectado nas redes sociais (até dentro do serviço) e que mal escreve possa atualizar textos durante o atendimento?
  • Vou além, como imaginar que ele encontre tempo para tal tarefa sabendo que existe um enorme backlog para atender?

Sim, imagino o KCS com um monte de processos adicionais de revisão, etc.

Mas esse não é o contexto da maioria das empresas nacionais.

Aqui vale um excerto do livro de Juliano Statdlober, Gestão do Conhecimento em Serviços de TI:

Um mito que existe é que as práticas de gestão do conhecimento seriam adotadas, dentre outros motivos, para possibilitar que o atendimento fosse realizado por pessoas de menor qualificação ou experiência e consequentemente menor custo. Segundo o guia, este não é o caso de KCS, pois várias exigências requerem pessoas qualificadas e com alto ní­vel de análise, iniciativa e capacidade de sí­ntese.

Resumo:

Investimos menos nos técnicos aqui, seja em capacitação ou garantia de emprego. Como esperar que produzam o mesmo que os lá de fora?

Das empresas que chegaram lá com KCS

Minha questão:

Será que as empresas nacionais bem-sucedidas no gerenciamento do conhecimento com KCS por ventura adotassem outra metodologia, o sucesso seria alcançado também?

Talvez não por usar KCS, mas por terem se mobilizado para organizar a gestão do conhecimento. Nas vezes anteriores, se existiram, as tentativas de montar uma base de conhecimento foram desengonçadas e agora, contando com um método adequado, a conquista chegou.

Mas veja bem, fosse KCS ou qualquer outra metodologia, a vitória chegaria igual.

O que não deixa de ser um mérito para o KCS, desde que as outras variáveis (persistência, existência de um patrocinador na diretoria, designação de um KBA competente, conscientização do grupo, etc.) estejam também presentes.

Conclusão

Em rápidos tópicos:

  • Se não tem ideia alguma de como administrar o conhecimento do centro de suporte, KCS pode ser uma boa.
  • Saiba que precisará investir nos técnicos, caso contrário o projeto naufragará. Investir é treinar e, quem sabe, até ensinar a escrever.
  • É uma empresa de tecnologia? Suas chances de sucesso aumentaram.
  •  Leia o livro do Juliano. Muita gente enfrenta uma parada dura quando precisa pegar guias em inglês e decifrá-los para uso. Sem falar nos riscos de interpretar mal um jargão ou expressão tí­pica do exterior.

Por isso, compre o livro do meu conterrâneo Juliano Statdlober.

Está em português e o conteúdo vem bem mastigado, apesar do estilo passo-a-passo do autor o que, aliás, isso pode ser até melhor, haha.

Valeu.

Abrazon a todos,

EL Cohen

3 comentários em “KCS, por que não sou teu fã”

  1. Pingback: Produtividade não é (só) automação – 4HD Blog

  2. Obrigado pela pela explicação tio! Me gerou alguns questionamentos e com certeza vou me aprofundar mais sobre o KCS! Abraços!

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