A origem filosófica do ITIL

As origens filosóficas do ITIL estão na história da Inglaterra

Todo mundo segue uma filosofia. Mesmo sem saber.

A gente percebe isso nas pequenas coisas, como semana passada. Jantando em uma pizzaria, meu genro descreveu uma cena engraçada ocorrida com ele e minha filha em Nova Iorque.

Pegaram um táxi do hotel ao aeroporto. A corrida custou algo em torno de US$ 63,00. Meu genro deu 70 e o taxista, irônico, perguntou se a gorjeta ia ser apenas de sete dólares (parece que o hábito por lá é 18%). Minha filha não teve dúvidas,  recolheu os 70 e entregou 65.

Explicou ela sua ação com essa declaração: “– Olho grande é pra criar remela“.

OK, se vocês entenderam a introdução,  vamos adiante que atrás vem gente.  Senão, um segundo exemplo:

Melhor assim ou assado?

Existem gestores que acreditam, baseados em sua experiência e conhecimento, que o importante é analisar os números. “– Eles não mentem” é uma expressão corriqueira.

Através deles, é possí­vel identificar se o centro de suporte está atendendo às demandas, se algum funcionário tem desempenho abaixo da média, se uma tendência pode ser determinada antes que cause desespero etc.

Gestores de outra corrente preferem vivenciar o centro de suporte. Ir até ele e sentir o que acontece ajuda a “sacar as coisas”. Mas é preciso “ir a campo”.

Chefia com os pés no chão de fábrica e não sentadinho atrás de uma mesa no décimo oitavo andar. Conversar com as pessoas que fazem acontecer na linha de frente, farejar problemas, ouvir a rádio peão, olhar com seus próprios olhos. Perceberam? Todos os verbos baseados nos sentidos.

Há muito que a  filosofia peleia entre duas vertentes de pensamento: “racionalismo” e “empirismo”. E se vocês me perguntarem qual dos comportamentos gerenciais acima é o correto, vou recomendar a leitura de muita filosofia, pois esse debate se prolonga desde os tempos de Platão e Aristóteles.

Racionalismo

De cada lado de tais correntes existem monstros da filosofia que se digladiaram explicando suas ideias e conceitos. Mas pra que você entenda melhor, vai um resumo do que é cada um.

RACIONALISMO – conjunto de teorias filosóficas fundamentadas na suposição de que para alcançarmos a verdade, é preciso levar essa investigação pelo pensamento puro, desprezando os dados imediatos fornecidos pelos sentidos.

O lance é simples de compreender e o argumento bem sagaz. Se vejo um galho enfiado metade na água e metade fora, a impressão que posso ter é que ele é torto (a parte que fica dentro d’água cria uma ilusão visual). É possí­vel citar um buzilhão de situações em que os sentidos nos enganam e agora, com internet, uau, nossos sentidos e imaginação podem nos prejudicar ainda mais. Ou seja, nossas faculdades baseadas em sensações (tato, visão, audição, paladar e olfato) são mais fontes de erro do que de conhecimento.

Já dizia Descartes, o pai do racionalismo moderno: “Nunca posso estar certo de que as coisas são de fato tal como me parecem, por mais atentamente que olhe para elas, e por mais desesperado e alerta que seja meu estado de espí­rito.“.

Aliás, vocês sabem que esse filósofo era fera em matemática. Daí­ vem a expressão, por exemplo, o sistema de coordenadas cartesiano. E quer coisa mais abstrata e menos palpável que matemática?!

Querem ver um exemplo simples sobre como seus sentidos o enganam? Abaixo as linhas parecem não serem paralelas, right? Errado.

 

Empirismo

Well done!

Agora já aceitamos, Cohen, que não podemos nos guiar apenas pelos nossos sentidos.

Que com que estão convencidos. E ilustrei com um exemplo banal, baseado na visão. Audição, tato e os outros sentidos  podem gerar ainda mais confusões de interpretação, como acharmos que alguém está com raiva por que berra conosco, quando isso pode ser apenas um hábito do sujeito (ou ele é surdo e acha que os outros também são etc.).

EMPIRISMO – Doutrina segundo a qual o conhecimento provém unicamente da experiência, limitando-se ao que pode ser captado pelo mundo externo pelos sentidos ou do mundo subjetivo, pela introspecção.

 E sabem onde começou a reação contra o racionalismo de Descartes? Exatamente nas ilhas inglesas! Uma lista enorme de pensadores redarguiu contra o sujeito que declarou “– Penso, logo existo” (ah, o filme Matrix também explorou essa pendenga).

O inglês Locke

Locke (não o personagem de Lost, mas o filósofo) disse que “… Nossas noções acerca do que realmente existe – portanto nosso entendimento da realidade, do mundo – deve sempre derivar em última análise do que foi experimentado por meio dos sentidos.

E veio com mais “– Se todos chegaram ao mundo com uma mente que é uma folha de papel em branco, uma tábula rasa, então, nesse aspecto, ninguém é superior a ninguém por nascimento: tudo para o indiví­duo depende de como for educado“.

Vocês conseguem sentir o cheirinho do ITIL nascendo há 200 anos atrás?

Ainda ele: “– Nós generalizamos a partir da experiência – um processo conhecido como indução, não dedução-, mas às vezes nossas generalizações são errôneas, e precisamos permitir isso.

E no embalo dele veio David Hume – escocês – que disse: “– Ao observarmos um padrão constante, inferimos que ele vai continuar no futuro, assumindo tacitamente quea natureza continuará a se comportar de maneira uniforme.“.

George Berkeley – irlândes – alegou “– Todo conhecimento deve vir da experiência e tudo a que temos acesso são as nossas percepções. “.

ITIL

E não foi por acaso que tal biblioteca surgiu dentro da comunidade inglesa de TI.

Com a cultura britânica sedimentada sobre o empirismo, era natural que tais experiências (na área de TI), fossem recolhidas, avaliadas e publicadas.

E o que é a ITIL? Uma biblioteca que fornece uma estrutura de boas práticas para gerenciamento dos serviços de TI. Boas práticas essas baseadas na coleta de experimentações realizadas com o passar dos anos.

Perceba: não é à toa que “boas práticas”, “melhores práticas” ou como sejam chamadas foram a expressão escolhida. O verbete “Prática” tem sua origem etimológica em “ciência prática, não especulativa“.

Tóiiiiii em Descartes justamente na parte especulativa. Esse filósofo dizia que as sensações e presunções baseadas nos sentidos podem nos enganar. A ITIL vai pelo caminho contrário, dizendo que somente aquilo que deu certo é que podemos levar como referência (salvo uma ou outra saí­da de emergência que a biblioteca deixa dizendo “some organizations may chose to utilize an automatic closure period on specific, or even all, incidents (e.g. incident will be automatically closed after two working days…“).

Por exemplo, dois dias úteis para encerrar automaticamente um incidente? Bom, vocês viram… Baseado na prática e experiência. A turma do racionalismo já ia bater martelo sobre essa inspiração da biblioteca para seus seguidores.

E existe um argumento muito interessante que outro empirista cético, Hume, usou e que faço questão de referenciar:

Por mais que eu observe que os cisnes são brancos, não posso afirmar que todos o são. Por que um dia podem aparecer alguns que não sejam, como de fato aconteceu. A inferência desse raciocí­nio? Ah, vamos, vocês terão que elocubrar por conta própria.

Uma frase final de Locke

Caramba, tanta coisa se aprende lendo filosofia e transplantando para nosso segmento de suporte técnico. Uma última frase de Locke:

Não siga irrefletidamente as autoridades, sejam elas intelectuais, polí­ticas ou religiosas. Tampouco as tradições ou convenções sociais. Pense por si mesmo. Examine os fatos e tente basear sua opinião e seu comportamento nas coisas como de fato são.

Smack

EL Cohen

6 comentários em “A origem filosófica do ITIL”

  1. Jorge Conceição

    Eu diria mais Poirot…este post é incrivel! Obrigado por nos regalar com este banho de cultura, tão principescamente administrado! Parabéns! 

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