Um dos melhores livros técnicos que li nos últimos tempos

Quem não é escritor, decerto já leu algum livro na vida.

Saiba que o autor, via de regra, tem duas metas:

  1. Transmitir uma mensagem (ou conteúdo). Quando é um romance, tem uma mensagem subliminar. Quando é um livro técnico, o assunto é mais explí­cito e “direto na veia”, como se diz.
  2. Garantir que todo o livro seja lido. Dado que aquelas partes foram escritas, com certeza têm alguma utilidade na cabeça do escritor. É por isso que as narrativas usam e abusam de técnicas como prolepse (antecipação de algo: cada final de capí­tulo de seriado ou novela tem um gancho para o que vem pela frente e mantém a curiosidade), “in media res” (inicia-se com a morte de alguém e depois se recupera trechos de como se chegou até isso), flashbacks, etc.

Naturalmente, não se pode esquecer o estilo do escritor. Alguns são irônicos, outros entupidos de citações, aquele lá gosta de descrever bastante o cenário, o outro é curto e grosso e assim vai.

Pois me babei de alegria e curiosidade de chegar até o final lendo este livro.

Qual Cohen?

O discreto charme do intestino – tudo sobre um órgão maravilhoso de Giulia Enders.

Quem já teve diverticulite (eu já) ou hemorroidas (eu não), precisa ler.

Mas não é só isso. Veja o subtí­tulo:

“Você sabia que sobrepeso, depressão, alergias e Alzheimer estão relacionados a distúrbios no equilí­brio da flora intestinal?”

  • Quem tem mau hálito (bafo mesmo) precisa ler.
  • Sovaco cheiroso?
  • Intolerância à lactose e frutose? Ao glúten?
  • Constipação?
  • Qual a melhor posição para fazer cocô?
  • Por que vomitamos?
  • De onde surgem as diarreias?
  • Por que acordamos com os olhos inchados?
  • Azeite de oliva é bom, mas não para fritar? Como assim?
  • Por que ficamos enjoados no carro ou no barco?
  • Fibras valem a pena?
  • A origem da lenda do Drácula sob o ponto de vista do intestino.
  • Salmonela: o problema não é bem o frango, mas a alface?
  • Por que é melhor tábua de plástico do que a de madeira?

Do estilo

Existem muito mais explicações no livro de variados assuntos, mas quero registrar o estilo da autora.

Leiam alguns trechos:

No espaço entre o esfí­ncter interno e o externo encontram-se várias células sensoriais. Elas analisam o produto fornecido para definir se ele é sólido ou gasoso e enviam sua informação lá para cima, para o cérebro. Nesse momento, o cérebro observa:

Preciso ir ao banheiro!… ou talvez só dar uns peidos.

Eles se unem e empurram a amostra para uma fila de espera. Em algum momento ela terá de sair, mas não aqui e agora. Algum tempo depois, o esfí­ncter interno vai testar outra amostra. Se nesse meio tempo estivermos comodamente sentados no sofá de casa, o campo estará livre!

Nosso esfí­ncter interno é um cara decente. Seu lema é: o que deve ir para fora tem de sair. E não há muito que interpretar nesse seu lema.

Já o esfí­ncter externo tem sempre de cuidar da parte complicada: teoricamente, até poderí­amos usar o banheiro alheio, ou melhor não? Será que nos conhecemos o suficiente para peidar na frente um do outro? Tenho de ser o primeiro a quebrar o gelo? Se eu não for agora ao banheiro, só vou poder ir à noite, e ao longo do dia isso pode se tornar desagradável!

 

Quando dormimos, quase não produzimos saliva. Isso é ótimo para aqueles que babam no travesseiro. Se produzissem também à noite de um a 1,5 litro de saliva diária, esse hobby não seria tão bonito.

Como à noite produzimos menos saliva, muitas pessoas acordam no dia seguinte com mau hálito ou dor de garganta.

Para os micróbios bucais, oito horas de pouca salivação significam “à prova de ataques”. Bactérias impertinentes já não serão tão bem retidas na cerca, e as mucosas de nossa boca e de nossa faringe sentem falta do seu chuveiro automático. Por isso, escovar os dentes antes de dormir e na hora que acordamos é um hábito inteligente. Com ele, diminui-se o número de bactérias na boca, e durante a noite a festa de micróbios se inicia, a princí­pio, com um número menor de participantes. Pela manhã, limpam-se os restos da balada noturna.

Por sorte, nossas glândulas salivares despertam conosco e logo se põem a trabalhar! No mais tardar, o primeiro pãozinho ou nossa escova de dente estimulam o fluxo da saliva com muita competência, eliminando os micróbios ou transportando-os para o estômago.

A primeira coisa que chama a atenção é o fato de o esôfago não ser bom de mira.

Em vez de pegar o caminho mais curto e dirigir-se logo ao centro do estômago, em sua parte superior, ele o alcança pelo lado direito.

Uma manobra genial. É o que os cirurgiões chamariam de “anastomose término-lateral”. Mas esse desvio vale a pena.

Quando caminhamos, cada passo duplica a pressão no ventre, pois contraí­mos os músculos abdominais. Quando rimos ou tossimos, a pressão chega a se multiplicar por quatro.

Como o abdômen comprime o estômago de baixo para cima, não seria nada bom se o esôfago se acoplasse logo na sua extremidade superior. Deslocado para a lateral, ele recebe apenas uma fração da pressão.

Assim, quando nos movimentamos depois de comer, não sentimos necessidade de arrotar a cada passo. Graças a essa curva bem bolada e a seus mecanismos de fechamento, quando caí­mos na risada soltamos, no máximo e de vez em quando, um punzinho de alegria — dificilmente se ouve falar de alguém que tenha se borrado de tanto rir.

Intolerância à lactose ou frutose

No entanto, diferente da doença celí­aca, aqui as partí­culas não digeridas de lactose não vagueiam pela parede do intestino. Simplesmente passam do intestino delgado para o grosso, onde alimentam bactérias produtoras de gases. A flatulência e outros incômodos são, por assim dizer, a forma que micróbios superalimentados, como se estivessem no paraí­so, encontram para expressar seu agradecimento.

Vomitar não é um tropeço. Acontece segundo um planejamento preciso. É uma obra magistral.

Constipação

Os nervos intestinais percebem, por exemplo, o que gostamos de comer e em que horários. Sabem quanto nos movimentamos e quanta água bebemos. Percebem quando é dia e noite e quando vamos ao banheiro. Quando tudo está correndo bem, eles trabalham bem-dispostos e ativam os músculos intestinais para a digestão.

Quando saí­mos, pensamos em muitas coisas: levamos nossas chaves, desligamos o gás e pegamos um livro para manter nosso cérebro de bom humor. Só uma coisa esquecemos quase sempre: nosso intestino, escravo dos próprios hábitos, vai conosco e, de repente, é completamente deixado para escanteio. Passa o dia recebendo sanduí­che empacotado, comida esquisita de avião ou temperos desconhecidos. Na hora que deveria ser dedicada ao almoço, estamos parados no trânsito ou no balcão para comprar passagem. Não bebemos a mesma quantidade de lí­quido a que estamos habituados por medo de ter de ir várias vezes ao banheiro, e, ainda por cima, o ar do avião nos resseca.

Como se isso não bastasse, trocamos o dia pela noite com um belo jetlag.

Os nervos do intestino percebem essa situação excepcional. Ficam confusos e, em um primeiro momento, cessam suas atividades até receberem o sinal de que podem continuá-las.

Como substância, as bactérias da famí­lia ruminococcus geram heme, necessária no corpo, por exemplo, quando se produz sangue.

Supostamente, quem teve problemas com a produção de heme foi o conde Drácula. Na Romênia, sua terra natal, é conhecido um defeito genético com os seguintes sintomas: intolerância ao alho e à luz solar e produção de urina vermelha. A urina vermelha ocorre porque a produção de sangue não funciona e a pessoa afetada elimina através dela produtos intermediários inacabados. Contudo, a conclusão na época foi a seguinte: quem urina vermelho é porque bebeu sangue. Atualmente, pessoas com essa doença são tratadas e não se tornam os atores principais de uma história de terror.

As fêmeas dos oxiúros sabem quando ficamos tranquilos, nos deitamos e estamos sem vontade de levantar. É nesse momento que partem para o ânus, em cujas inúmeras pregas depositam seus ovos e rastejam como loucas, até sentirmos coceira. Então, voltam correndo para o intestino, pois, por experiência, sabem que agora virá uma mão para fazer o resto.

Debaixo da coberta, ela é empurrada no traseiro, bem na mira do ataque de coceira. As mesmas vias nervosas que transmitiram a coceira anunciam: “Favor coçar!”

Atendemos a esse pedido e fazemos com que os descendentes dos oxiúros sejam transportados por via expressa a regiões próximas à boca.

Qual é o momento em que estamos menos interessados em lavar as mãos depois de coçar o traseiro? Quando não estamos pensando em nada porque estamos dormindo ou cansados demais para levantar. Justamente o momento em que o oxiúro deposita seus ovos.

Baaaaaaaaaaaaaaaaaaaah

Eu poderia copiar o livro inteiro aqui por que, quando se inicia a leitura, não se para mais.

E nem é pela curiosidade do assunto, mas pela elegância e o charme da escrita.

Não é por acaso que já vendeu mais de um milhão de exemplares.

See you, brother and sister.

Abrazon

EL CO

1 comentário em “Um dos melhores livros técnicos que li nos últimos tempos”

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