Sextou.
Novamente dia especial da esculhambação, nova tradição elaborada por mim.
Dia do Esculacho. Ao estilo Paulo Francis, Diário do Geraldo (leia revista Piauí), Millôr Fernandes e Voltaire.
Tema: SLA agressivo
Hoje a leitura é pra analista de suporte.
Pra quem pega busão às 5h. Quando chove, se molha todo de casa até a parada. Encharca a carteira de cigarros. Que leva marmitão por que pagar R$ 35/almoço faz o VR desaparecer feito coelho na cartola.
O texto é pra quem escolhe entre COVID, H1N1 ou o Combo dentro do trenzão/metrô lotado. Onde sempre cabe mais um. Mas em estado líquido.
Se você é gerente, salta pra www.uol.com.br.
O demônio tá solto. O Cohen tá com a macaca. Melhor, com Satanás incorporado.
Ripa na chulipa
Tem gestor que adora métrica. Dorme de conchinha com o Power BI.
Só não mede o cansaço/bagaço da equipe. O tempo que o técnico leva pra engolir a frustração de ouvir “não resolveu nada” mesmo tendo resolvido tudo — exceto a solidão do usuário.
Um mundo foi criado onde o bom atendimento é o mais rápido, huahuahua. Qualidade? Expressão antiga, meio ultrapassada, tipo Orkut ou Kamen Rider.
Hoje o que vale é o “TMA abaixo de 2 minutos”.
Se você foi gentil, educado, humano… azar. O sistema não lê gentileza. E usuário não preenche pesquisa. Pra elogiar, pelo menos. “Atendente não fez mais que a obrigação”.
Tem técnico de suporte que começa o dia sabendo que vai perder. A meta é tão realista quanto fazer dieta na segunda-feira depois do churrasco no domingão.
Churrasco? Pra quem ganha R$ 2.200, Cohen?! Só quando o patrão convida pra mostrar o carro novo.
SLA feroz
Chefe agora chama prazo de SLA, por que “prazo” é muito informal e não assusta o suficiente — parece que se botar sigla vira ordem divina.
É SLA atrás de SLA, um empilhado no outro, como se o tempo fosse feito de cubinhos de LEGO — e a vida não tivesse cliente lunático, temporal às 7 da matina, queda de internet e usuário que insiste em não seguir nossas orientações por que teve uma ideia melhor.
E aí entra o gestor. The boss…
Vem pra reunião com aqueles gráficos lindos, cheios de cor, que mais parecem exame de ressonância de um cérebro. “Estamos performando!” — diz ele, com a empolgação de quem não atende um chamado desde o Windows XP.
O ambiente?
Uma mistura do filme “Um lugar silencioso” com seriado de zumbi. Gente calada, clicando, sofrendo. Tem até happy hour pra “integrar o time”. Integra mesmo: todo mundo na mesa tomando refri morno 2 litros e fingindo que não quer morrer por dentro.
Enquanto isso, lá em cima, a diretoria estufa o peito com os dashboards do mês. “Estamos indo bem.” Claro, ninguém mede esgotamento. Não tem gráfico de angústia. Não dá pra colocar em KPI o número de talentos que desistiram em silêncio ou de gente que hoje só finge que está ali.
E aí quem vai embora não é o improdutivo. É o bom. O paciente, o que explica duas vezes sem bufar, o que entende que um usuário perdido não é burro — só está atrapalhado. Ficam os duros-de-matar, os que aprenderam a sobreviver com a alma em modo stand-by/still/pause.
Mas tá tudo certo, por que o relatório fecha verdinho. E no fim, é isso que conta, né? Que se dane se o time opera no modo zumbi. A engrenagem gira. Só esquece que é feita de gente. Gente com nome, CPF e uma paciência que acaba um dia — mesmo que o SLA não acuse nada.
Alternativa
Mas enquanto não pinta chamado… Dá-lhe estudo pra ser influenciador digital. Tem um quaquilhão de gente rica. Ou parece.
Sei de sujeito que grava vídeo no iate alugado, fala que “tudo é questão de mindset” e esquece de dizer que quem paga a gasolina do barco são os seguidores vendendo almoço pra pagar o Pix do curso.
A fórmula é até bocó: finge que venceu, os outros acreditam na fórmula de “sucesso”, e no fim só quem vence é o cara. Influencer virou golpe do bilhete moderno: só que o esquema rola com ring light e frase motivacional.
E o povo o acompanha. Porque ninguém quer ser o trouxa da planilha, o escravo do SLA. E dá-lhe seguir sujeito com muito carisma, pouca ética e comprar e-book de R$ 297.
Sextou
Azar. Hoje é sexta. Dia internacional da Cerveja.
Aqui em Porto Alegre, fim do Brasil (e do mundo) há 2 dias não passa de 10 graus. Vou meter cerveja goela abaixo. Transformei minha poltrona em cama. Não saio dela. Nem a pau. Tem cobertor e travesseiro (que virou almofada, haha). Só falta espaço pra chefe.
Azar do Adriano Martins Antonio que está nas praias da Espanha, sofrendo com 24 graus, obrigado a tomar muita água todo dia, andar só de camiseta, tomar banho diariamente, matar mosquito à noite, andar em túneis sem mendigo e sem arte de rua. Bah.
Abrazon, sobrinhos. A vida é dura. Mas ela ensina.
E se fisguei um gestor até aqui, preste atenção:
SLA é importante, mas tem que dar um jeito do analista ter autonomia, desenvolver competência e relacionamento.
E se não sabe nada da Teoria de Autodeterminação, faz meu curso. Se quiser, claro. Sempre pode ser influenciador digital também.
El Co