Ou você demite seu cliente ou Pandora escangalha sua empresa

Tenho visitado muitas empresas de tecnologia em função dos meus cursos. Como sou polêmico, às vezes enfio o dedo, sem dó nem piedade, nas feridas acobertadas.

Daquelas que ninguém quer falar e todo mundo faz de conta que não existem.

Pandora, sua bocó!

Só que antes, para caracterizar bem a situação, preciso lembrar a história de Pandora.

Alguns a conhecem, outros ainda não. Assim, cabe a recordação.

Segundo a mitologia grega, Zeus conseguiu ajuda de dois titãs traí­ras na guerra contra os outros titãs. Como recompensa, Zeus deixou Epimeteu gerar as primeiras criaturas, os animais. Esse deu a cada bicho habilidades especiais e formas de proteção.

Prometeu veio por último e como diz o ditado “boi lerdo bebe água suja“, chegou na parada quando havia acabado o estoque de habilidades. Criou os homens e pensou em dar o fogo a eles como forma de habilidade e proteção. Pediu permissão a Zeus que, de imediato, passou uma carraspana, feito chefe em dia de azedume. Fogo é só pra deuses.

Tal qual técnicos que existem por aí­, Prometeu se fez de sonso e entregou o fogo assim mesmo.

Bueno, a desgraça de Prometeu já é conhecida: como castigo por sacanear Zeus entregando o fogo aos mortais, foi condenado a ficar amarrado numa pedra. Diariamente uma águia comia seu fí­gado, gerando enorme dor e sofrimento. Dia seguinte, lá estava o fí­gado restaurado novamente, zero bala (apostaria que bêbados de todos os cantos do mundo até aceitariam essa penitência).

Epimeteu era ingênuo – sempre existe um irmão assim “, pois aceitou um presente de Zeus, apesar do alerta de Prometeu que jamais fizesse tal ato; seria uma roubada. Zeus criou a primeira mulher, Pandora, e deu-a como esposa para Epimeteu (que nome brega!).

Como presente de casamento, a sacanagem: uma caixa (na verdade, era um jarro, mas quem se interessa por isso!).

Como todo mito (lembra da Eurí­dice que Orfeu foi buscar no inferno? Hades disse que se ela virasse o rosto na saí­da, estaria lascada e… Bem, todo mundo sabe o que aconteceu, né?) tem uma pegadinha: a caixa não poderia ser aberta.

Que bosta katzo de presente é esse que não pode ser aberto?

Bem, curiosa, Pandora abriu a caixa e as podridões que lá existiam saí­ram: ganância, ódio, dor, pobreza, guerra, etc.

Ficou presa somente a marcha-lenta das maldades, a esperança.

Convenhamos, a esperança é uma terrí­vel tortura para alguém que fica sempre esperando, esperando e vegeta neste sofrimento.

Na teoria dos grupos – vai uma pitada de conhecimento para você “, Bion concebeu a expressão “esperança messiânica”.

É a situação em que o grupo nada faz; permanece esperando algo que acontecerá no futuro e resolverá todos os males (um novo software de service des; um curso com o Cohen; uma nova sede; blá-blá-blá).

Nas empresas de tecnologia

O que acontece?

O departamento comercial parece um viciado por negócios. É verdade que, em parte, ele sustenta a empresa com ingressos de novos clientes que trazem receita.

Por outro lado, comporta-se como um sapo gordo que engole tudo quanto é inseto, mesmo aqueles que fazem mal. Se é por amor à comissão ou à receita que entrará, não se sabe.

O que se deduz é que se a fábula de Pinóquio funcionasse nos dias de hoje, terí­amos muitos vendedores furando paredes com seus narizes durante reuniões de venda ao prometer o impossí­vel.

E o dono da empresa de tecnologia (o fornecedor) aprova a venda – quem não gosta de um pila a mais?

A tragédia anunciada

O cliente é pequeno demais e não tem muitos conhecimentos de informática.

É triste para o pessoal do suporte explicar como ativar um programa, quanto mais descrever como instalar um certificado digital ou renovar o pedido para não mover o roteador wifi do lugar.

Resultado: este cliente consome muitos recursos.

Algumas pessoas da firma, recém empossados no modismo atual, o Customer Success, desdobram-se para explicar como alcançar o sucesso deste cliente. Como pegar esse despreparado freguês e fazê-lo chegar lá. Como o processo de onboarding pode ser feito e…

Ah, não rola…

O suporte técnico atende ao telefone. Uma menina de 13 anos quer saber como emitir uma nota fiscal de devolução. Nada contra a idade, mas é que nessa fase da vida as atividades deveriam ser outras (seria isso trabalho infantil?).

O pai saiu da lojinha, deixou-a sozinha e ela não sabe como fazer tal procedimento.

Consequência? Duas horas de técnico ao telefone.

E o que dizer daqueles contratos que não limitam visitas técnicas e fazem com que o técnico retorne ao mesmo cliente várias vezes na semana?

Customer Success recomenda “tech touch” (mí­nimo possí­vel de intervenções pessoais e o máximo possí­vel via interação digital, como fóruns, faqs, etc.). Só que antes dele chegar com essa ideia, os contratos com os clientes não previam isso. Disponibilizavam visitas pessoais (ah, sapão, sapão que devoras quaisquer insetos).

Uma das regras do Customer Success recomenda vender ao cliente certo.

Mas quando essa maturidade ainda não existe na cultura da empresa ou o fluxo de caixa aperta, vale o ditado “Não tem tu, vem tu mesmo” ou o oportuno ditado feminino que diz “Enquanto o certo não vem, vou me divertindo com os errados“.

Não tem o cliente certo, vamos vendendo aos errados.

Cálculo aritmético básico

Recursos financeiros vazam constantemente nessa operação de suporte.

Muitas vezes o cliente errado consome mais recursos do que gera ingresso de receita.

Em algumas empresas que visitei, alguns clientes pagavam R$ 80/mês.

Se um técnico ganha como salário R$ 1.000, podemos inferir outros R$ 1.000 de tributos e provisões de férias, décimo-terceiro e outras exigências. Supondo que trabalhe 4 semanas x 5 dias úteis x 8 horas, são 160 horas em um mês a R$ 2.000.

Ou seja, R$ 12,50/hora.

Se este cliente consumir seis a sete horas por mês (fichinha), acarreta prejuí­zo.

Não há lucro. E existem outros gastos, como emissão de nota fiscal, boleto bancário, pessoas no administrativo para enviar e conferir se pagou e por aí­ vai.

A demência de Pandora

Antes de tudo, fica claro que a operação do suporte técnico será onerosa. Nem falo mais da empresa.

Pior pode ficar. Os proprietários, depois de se portarem como cavalos xucros por semanas, aceitam a sugestão do gestor de suporte para contratar mais técnicos.

Xingamentos acontecem de parte a parte.

  • O suporte reclama que os clientes nada sabem, nem ao menos explicam direito o problema. Quando o “dito cujo” aparece na linha, um desconforto generalizado atormenta o Ní­vel 1 de atendimento.
  • Os clientes onerosos protestam que “pagam” e não são atendidos como gostariam (querem “colo”, “mamadeira” e outras ideias maternas).
  • Os donos das empresas de tecnologia batem nos dedos dos gestores de suporte por que não dão conta do recado.
  • O gestor de suporte, em vingança, faz despachos de macumba evocando seus Exus e pedindo proteção contra essa cambada louca descrita acima. Mantém até um atabaque dentro do carro sempre à disposição.

E essa roda-viva segue girando, graças à…

Esperança que os donos de empresa têm de que, em algum momento, o cliente se assente/aprenda o software/não mexa mais onde não deve. E passe a consumir menos recursos.

Só que não.

Essa é a mordaz tortura da caixa de Pandora.

Muitos clientes continuarão a consumir recursos e produzir prejuí­zos.

Como as empresas não contabilizam adequadamente horas e custos (não é jabá, mas recomendo o software e-desk por que sei que ele é “encarnado” nisso), consentem com tal situação e encaram-na como ônus do negócio.

Alguns desses clientes-consumidores ávidos até poderão ser estratégicos – o dono é presidente de uma entidade, o outro é o cabeça-de-ponte num estado que desejamos entrar “, mas em geral… Não são valiosos, pelo contrário.

Demita, vamos!

Advogados sempre dizem: um negócio deve ser bom para os dois lados!

No passado a Nextel já demitiu clientes. Irrompeu uma situação engraçada, pois os gurus de marketing foram contra a atitude, dizendo que isso teria efeitos a longo prazo junto aos clientes que ficaram; que na verdade a Nextel não encontrara o programa/oferta certa para eles e mais um monte de argumentações.

Não vou ficar de nheco-nheco sobre hipóteses futurí­sticas e trezentos “Se”s encadeados.

Pés no Brasil, leia o artigo de Sandro Magaldi, diretor da HSM do Brasil por 9 anos:

Quando Demitir Clientes É A Melhor Saí­da

Jogo dos 3 erros

  1. O comercial erra ao vender para todo mundo (a ambição de bater metas pode ser um afrodisí­aco para esse comportamento). Leia a Primeira lei do Customer Success de Lincoln Murphy.
  2. O proprietário falha ao aceitar esse mí­sero (ou não) ingresso de receita, mesmo sabendo que vai dar merda prejuí­zo. Erra novamente por esperar que o futuro seja melhor e tudo se ajeite.
  3. O gestor do centro de Suporte Técnico, Help Desk ou Service Desk fraqueja ao não investir em conhecimentos de economia, ao desconhecer o orçamento do seu departamento, ao persistir em pós-graduações técnicas e principalmente ao não comparecer nos meus cursos (evidente este último item é o mais importante, ao menos pra mim, hehe).

Tenho dito

Todo o restante é Fernando Baldin fazendo charme.

www.4hd.com.br/calendario

Um curso de gestão em setembro no Rio de Janeiro. Apenas 8 vagas; uma está preenchida.

Em São Paulo, rola em outubro.

Sem choradeiras depois, pois 2018 vai escoando pelas beiradas, assim como o dinheiro mal empregado!

Abrazon a todos,

EL Cohen

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